Sucessão: um erro pode ser fatal
No ano 180, aconteceu um fato inédito no Império Romano: Era a primeira vez que um imperador ascendia ao trono, nascido durante o reino de seu pai, também imperador. Isto era uma exceção em um período histórico onde a regra era outra: a maioria dos imperadores eram assassinados e o trono era tomado por pessoas de outras famílias.
Assim, nada mais raro do que uma passagem de bastão (ou de louros) de pai para filho. Cômodo (o filho) era, assim, aos seus 19 anos de idade, uma exceção. Mas infelizmente, ficou famoso por algo mais único ainda: ele praticamente foi o autor da queda do império romano. Uma série de decisões mal pensadas, autoritárias e fruto de imaturidade emocional, abriram caminho para o final de um dos impérios mais poderosos da história.
Um império todo ruiu devido a um processo de sucessão mal feita. Bem que o seu pai, o imperador Marco Aurélio fez o possível para tentar educá-lo com alta filosofia, mas para Cômodo o interessante eram os prazeres carnais e seu desejo de ser visto como um grande herói e um grande gladiador. Já mostrava autoritarismo e crueldade desde pequeno, pouco se importando com a filosofia do pai. Para quê, se já estava garantido que seria o próximo imperador?
Acomodado
Não é o caso, mas seria interessante se a palavra acomodado fosse fruto do nome de Cômodo, pois me parece o adjetivo mais apropriado. Desde cedo, evitava fazer aquilo que causasse incomodo, não conseguia lidar com frustrações (pediu uma vez que o corpo de um serviçal fosse queimado pois o banho que preparara para ele estava muito quente) e preferia se “acomodar” (perdão pelo trocadilho péssimo) em prazeres imediatos, do que treinar e se preparar para a responsabilidade que o aguardava.
Quando, finalmente, o pai morreu, Cômodo se viu surpreendido ao ter que lidar com a política do Senado, sem saber jogar o jogo político, escolheu assessores despreparados e tomou decisões baseado em reatividade e instabilidade emocional, criando uma bola de neve de problemas que abalaram a estrutura do império. Uma sucessão mal feita e centenas de anos de história começavam a ruir.
Quase dois mil anos depois, vejo situações muito semelhantes tanto em lideres de equipes (que escolhem os sucessores errados), quanto empresários de empresas familiares que já garantem aos seus filhos que estes serão os próximos donos da empresa, mas não exigem que estes se preparem.
Daí, temos como resultado, tantas promoções erradas para cargos de liderança. Daí, temos como resultado, a estatística assustadora de tantas empresas familiares que vão à falência na passagem de uma geração à outra. Na verdade, a estatística de fracasso nesta transição é tão alta que faria mais sentido matemático passar a empresa a algum estranho com capacidade técnica...
De quem é a culpa? No fundo, de ninguém e de todos. O dono de um pequeno negócio que quer passar a empresa para o filho está fazendo a mesma coisa que o Imperador Marco Aurélio. Que honra agir como um imperador! Mas será que isso significa que se deve aceitar cometer os mesmos erros imperiais? Não funcionou para Roma, provavelmente, não funcionará bem para a empresa.
O que fazem as empresas que funcionam?
Definem parâmetros para a passagem do bastão. Não é porque você é meu amigo que está garantido. Não é porque você é meu filho que a empresa ficará nas suas mãos. Se a decisão for baseada em laço afetivo, então não é uma decisão profissional, e sim uma decisão familiar.
Pode parecer frio o que vou dizer, mas papéis não devem ser misturados. Se a decisão afeta a empresa, deve ser uma decisão empresarial. Ou seja, será eleito o melhor candidato para a posição – aquele que tem as habilidades necessárias. E se o meu amigo ou meu filho quiser ser considerado? Então que desenvolva as habilidades que precisa. Ser filho não é uma posição empresarial, é uma posição familiar. São mundos diferentes.
É fácil fazer isso? Talvez não, mas será que vale a pena colocar em risco décadas de sacrifícios e esforços na criação de uma empresa, para numa decisão jogar tudo fora?
As maiores empresas familiares já fazem isso. Os melhores líderes do mundo empresarial já fazem isso. Amigos, amigos, negócios a parte!!
Talvez seja desconfortável fazer esta separação de papéis. Mas será muito mais desconfortável ter que lidar com os conflitos gerados por uma escolha de sucessor mal feita.
Parâmetros
Você lembra quando era adolescente e quando escolhia os jogadores do seu time de futebol, queria sempre os melhores? Nada era garantido. Se não era bom, não jogava no seu time, não era assim?
Precisa escolher seu sucessor? Não pense em quem. Pense primeiro nos parâmetros: quais habilidades comportamentais, emocionais e empresariais alguém precisaria ter para substituí-lo? Agora, com esta métrica, fica mais fácil filtrar quem será considerado ou não.
Seu filho quer ser considerado? Ótimo, mostre os parâmetros para ele. Se ele for interessado, vai treinar cada item que precisa. Se não for, que bom que você descobriu isso agora, sem ter que perder a empresa em experimentos mal feitos.
Queremos ser como o Imperador Marco Aurélio, mas não queremos Cômodo como nosso sucessor. Certo?